Presidencialismo no Brasil e o "semipresidencialismo"

Tenho visto algumas postagens mais antigas do reddit a respeito do sistema político brasileiro e somado ao cenário atual em que está nosso sistema político e representativo onde se vende a ideia de que estamos vivendo em um dito parlamentarismo bastardo ou semipresidencialismo o que é uma clara mentira. Eu vou tentar ser sucinto a respeito do porque eu sinto que preciso corrigir muitos mitos e ideias equivocadas que vem sido ditas no Reddit sobre o assunto mas em decorrência da complexidade do tema não tem como não escrever um textão.

O presidencialismo brasileiro nasceu em 1889 com o governo provisório após o golpe republicano que pôs fim a monarquia brasileira, naquela quadra da história o Brasil tinha um parlamentarismo muito mais fruto da evolução política do que da vontade daqueles que fizeram a constituição de 1824, o sistema evidentemente não funcionava como um sistema parlamentar puro em decorrência da fragilidade social do país que tinha população mas não tinha povo. Então para equilibrar esse estado de coisas era preciso um poder pessoal forte que revezasse as oligarquias então estabelecidas de forma a evitar que uma delas dominasse o governo e se eternizasse, já que o governo sempre conseguia a maioria através de fraudes e manipulação do pleito eleitoral só a derrubada da situação substituída por outra que se valia das mesmas ferramentas de fraude poderia garantir razoável estabilidade política, esse era o papel no Brasil do poder moderador privativo do imperador. Esse foi resumidamente o segundo reinado e o revezamento do partido conservador e liberal.

Quando se deu o golpe e o estabelecimento do presidencialismo no Brasil já existia no mundo sistemas parlamentaristas com federalismo mas a escolha aqui se deu pelo presidencialismo porque os republicanos históricos brasileiros estavam imbuídos de um americanismo radical e se tinha uma falsa concepção então de que se o país copiasse servilmente as instituições dos Estados Unidos seríamos tão desenvolvidos como eles, havia também na ala mais canalha dos republicanos liderados pelo Campos Sales aqueles que admiravam o modelo oligárquico estabelecido pela Argentina que era uma cópia americana mas que se adaptou para firmar um pacto excludente a favor das oligarquias, modelo até funcionou bem (para a elite) e fez a Argentina ter crescimento chinês mas ao custo da democratização do país. A República Velha viria a ser no Brasil exatamente a mesma coisa, um arranjo oligárquico mas sem poder moderador, impossível de tirar a situação pelas vias democráticas ou por eleições, somente um golpe de estado poderia vencer a situação já que não existia quem pudesse vencer o governo.

Por que eu voltei tanto ao passado ao falar do presidencialismo? Porque esta será basicamente a tônica do nosso sistema político no decorrer das décadas, um sistema instável, estéril, fraudulento, personalista, onde qualquer choque entre executivo e legislativo basicamente paralisa o país e impede o progresso nacional. Se ignorou as experiências pretéritas na hora de modelar o sistema político brasileiro e pagamos o preço até hoje por causa disso. A partir de 1988 nós conseguimos formar o que se convém chamar de "presidencialismo de coalizão" ou seja, o executivo monta maiorias parlamentares através da distribuição de ministérios, emendas parlamentares e cargos na administração pública dentro de um congresso partidariamente ultrafragmentado. O problema desse modelo é que ele depende excessivamente da habilidade política do presidente da república e da sua capacidade de impor sua agenda ao congresso que passa a agir como um chancelador da agenda presidencial, funcionou muito bem no governo Fernando Henrique até Lula II + Temer que tinham capacidade política e habilidade para montar essas coalizões mas depois foram sucedidos por dois presidentes fracos que começaram a perder as ferramentas necessárias para montar uma coalizão: Distribuição de emendas + ministérios. O congresso roubou do presidente o poder de distribuir emendas parlamentares reduzindo sua margem de manobra na hora das votações e para piorar começou a se arvorar do orçamento público que no Brasil é responsabilidade do poder executivo minando ainda mais o chefe do poder executivo. Alguns jornalistas tem chamado isso de semipresidencialismo ou parlamentarismo bastardo mas vou explicar o porquê isso não faz sentido e inclusive é um desserviço chamar o nosso sistema atual de semipresidencialismo.

O Brasil teve a proeza de ter o pior sistema político-eleitoral do MUNDO; Um presidencialismo multipartidário ultra fragmentado com eleição proporcional de lista aberta. Eu já descrevi o suficiente a respeito do presidencialismo agora vamos falar do voto proporcional de lista aberta, esse sistema permite que o eleitor vote em um candidato ou em uma legenda sem necessariamente o candidato estar em uma lista pré ordenada, podendo escolher entre o candidato ou o partido da sua preferência. O problema desse modelo é que ele estimula o personalismo do candidato em detrimento do partido, gera competição intrapartidária pelos votos em um mesmo círculo eleitoral (nesse caso os estados), a pessoa que é eleita se sente muito mais presa ao feudo eleitoral que a elegeu do que a uma agenda partidária e para piorar como os estados brasileiros tem o tamanho de países da Europa o custo para se ter um candidato competitivo é muito alto fazendo que o poder econômico se imiscua junto ao político para garantir sua eleição e portanto enfraquecendo a legitimidade do candidato junto a quem o elegeu porque agora ele precisa representar tanto o interesse econômico quanto o poder local que o elegeu, uma lealdade dupla e anacrônica já que obviamente o interesse do empresário ou lobby político nem sempre será o das camadas populares.

O sistema atual que temos com o congresso empoderado mesmo que o presidente faça a clássica distribuição de cargos e ministérios isso não é mais suficiente para saciar a fome do legislativo e para piorar, como os partidos da base não se sentem como parte do governo eles podem ficar com o bônus dos cargos e emendas e deixar o ônus para o presidente da república por esses atos, ou seja um governo de coalizão irresponsável que não responde nem pelos anseios populares e muito menos pela sua representação junto ao poder executivo. Essa é a antítese do sistema parlamentar, porque no sistema parlamentarista ou semipresidencialista seja lá como você quer chamar os partidos do congresso montam uma coalizão e um programa de governo e são responsáveis tanto ao parlamento quanto a opinião pública a respeito da agenda do poder executivo. A diferença nesse caso entre executivo ou legislativo tende a ser mais diluída diferente do presidencialismo especialmente brasileiro que busca criar diferenças absolutas dos dois poderes. O congresso é responsável pela gestão governamental, coisa que hoje não acontece porque o presidente encarna a soberania nacional aonde o poder legislativo é que deveria ser a verdadeira casa do povo. E portanto, o cenário atual é muito benéfico para esse congresso centrônico e fisiológico sem compromisso com o governo e nem com o povo.

Eu fiz vários reducionismos grosseiros escrevendo esse texto mas foi necessário para exemplificar porque não faz sentido comparar o atual modelo com um parlamentarismo com responsabilidade parlamentar, eu queria descrever com mais detalhes o funcionamento político do semipresidencialismo mas aí acabaria virando uma bíblia. Eu acredito que um verdadeiro semipresidencialismo com voto distrital misto e listas fechadas + claúsula de barreira de 5% poderia sim ajudar o país a superar essa crise institucional permanente que vivemos desde o início da república, não há sentido em não termos um poder executivo que não seja tirado das maiorias parlamentares com um sistema partidário sólido, o nosso desenho institucional atual gera um modelo totalmente disfuncional.

Se você leu até aqui obrigado, não sei se alguém vai realmente querer discutir isso seriamente mas o debate público brasileiro honestamente está muito ruim e eu acredito fielmente que o Brasil tem sim solução, não é como se nós tivéssemos tentado e falhado mas para isso precisamos corrigir esse modelo político-eleitoral.